Este
Rato, não cansado d'outros esboços, agrade a Jeová a oportunidade
de colocar no ar (neste blog) e na íntegra, a coloquial, singela e
despretensiosa carta de uma professora que espera, como tantas outras
e outros tantos professores, ser um dia não mais considerados
“bichos cá da Terra tão pequenos” pelo governo, pelos
governantes e pelo povo brasileiro.
Carta
Presente
Hoje
é dia 14 de outubro, e eu aqui pensando...
Na
véspera do dia dos professores, gostaria de me dar um presente:
A
LIBERDADE de ao menos, me expressar, já que não tenho forças para
mudar o "quadro negro" atual na Educação do Brasil,
principalmente, a paulistana.
Apesar
de, aos 25 anos de exercício do Magistério, eu já poder me
aposentar,
permaneci até os quase 30 anos em sala de aula.
A
velha tática viciosa de conseguir mão de obra abundante e barata,
extraindo-a desde o preparo de uma grande "massa-base"
populacional ao longo de anos sem trégua, mesmo após o término do
Regime Militar no Brasil, ainda perdura.
Nossos
dirigentes mal moldados, em mentalidades obtusas para o uso do poder,
não desejam que o Gigante, de fato, acorde.
E
eu me pergunto: estão com medo de quê?
Gostam
mesmo de seu País? de seu povo?
Não
seria muito melhor, deixar florescerem os verdadeiros talentos
adormecidos e ocultos, distribuídos pela natureza nas várias
camadas, ou mesmo estratos sociais?
Aonde
estarão: aquele grande cientista, aquele grande cirurgião, aquele
grande atleta, aquele grande pensador - realmente merecedor de uma
cadeira na Academia Brasileira de Letras, aquele grande artista,
aquele político que faria o mundo admirá-lo com respeito, aquele
grande herói que aprendeu e usou com maestria a arte de salvar
vidas, aquele grande comandante que ensina o caminho para vitórias
sem derramar sangue, e tantos outros, na linha dos grandes valores
humanos?
Por
quê, para que "meia dúzia" de cidadãos tenham algum
pequeno destaque social, toda aquela grande, imensa maioria, tem que
ser sufocada desde o berço, como filhotes de gatos, jogados num
balde de água fria?
Será
que dentre esses gatinhos não estará algum valor sendo desprezado?
Há
pessoas que se fazem por sua própria força de vontade e há outras,
que se equilibram numa tênue linha, pendendo às vezes, para o pior
lado - aquele lado que trará prejuízo não só a si e aos seus,
como também à sociedade como um todo - e isso seria simples de se
evitar.
Uma
sociedade que se abraça, se une sem preconceitos e busca elucidar
seus valores, venham eles de qual ponto dela vier, é classificada
como "evoluída", ou "primeiro mundo".
Governantes
que se comprazem, que se "confraternizam" com a ignorância,
com o cerceamento da "Liberdade de Cátedra" de seus
professores, educadores, não podem estar desejando a evolução para
seu País...
Pouco
antes de me aposentar, fui submetida ao uso de uma espécie de
"cartilha" que ensinava aos professores como dar aulas e
aos alunos o que deveriam aprender.
Com
a desculpa de "unificar" os conteúdos das escolas
estaduais em São Paulo, nos foram entregues esses materiais,
impostos, "de cima para baixo" (respeitando-se aqui, a
"regra" da estratificação - só para dar consistência a
esta linha de pensamento).
Esse
material, como pude verificar, ainda está sendo utilizado à
exaustão, distribuído no início de cada ano, repetidamente, desde
seu "aparecimento" em todas as escolas, em 2007, ensinando
São Paulo a "fazer Escola" e deixando subentendido um fato
preocupante: que as Faculdades e Universidades não estão sabendo o
que ensinam, nem os professores estão sabendo o que aprenderam para
repassar adiante e muito menos, pesquisar por conta própria e montar
seus conteúdos, suas aulas.
Me
senti completamente ofendida e desmotivada ao perder a última coisa
que me atraía ainda, apesar de todos os "empecilhos
propositadamente criados na educação pública": a minha
"Liberdade de Cátedra"; o meu poder de discernimento para
criar condições e estratégias, enfim, para usar de didática
própria com meus alunos.
Muitos
colegas acabaram submetendo-se a mais esse "cabresto" e
permanecem numa espécie de "letargia", causada pela
exaustão de lutas improfícuas em prol da Educação.
Graças
ao Bom Deus, no qual faço questão de sempre acreditar (para no fim,
não padecer do "Mal de Nietzsche", e ainda, concordando
com Kant quando concluiu que talvez a única causa que poderia unir o
maior número de pessoas possível no mundo todo, voltadas a ela,
seria a crença num Ser superior), eu consegui me aposentar mantendo
a lucidez e relembro a todos que o uso de tal material e a submissão
a tal prática não é
normal.
É
preciso ao professor, mais que nunca, manter a esperança, a lucidez
e saber impor a sua inteligência, a sua capacidade de gerar
pensamentos e de modificar situações e a própria História.
É
preciso, pelo menos, saber que há "a possibilidade de dizer
não".
Analisando
mesmo que superficialmente a imposição e o efetivo uso de um
material que traz benefício em primeiríssimo lugar, às gráficas
ou editoras envolvidas, muito mais do que aos estudantes, que, desde
o primeiro ano de distribuição do mesmo, o rasgavam, queimavam,
amassavam, deixavam propositadamente esquecido sob as carteiras
escolares, perdiam, pois mais do que tudo, o "desprezavam",
assim como aos livros de leitura e livros preparatórios para um
possível uso em estudos para vestibular.
Eu
continuo a me fazer perguntas: a quem interessa a imposição desse
material?
Não
é bem a "quem" mas a "que" serve: ao uso desse
dinheiro, em material pouco proveitoso, em detrimento de algum
aumento salarial que valorizasse o professor!
Outra
serventia: acordos para elaboração, produção e publicações de
material em épocas de campanhas políticas - é muito óbvio, para
não deixar qualquer educador "razoavelmente" irritado,
quando chega o "seu dia" e ele pouco, ou nada, tem a
comemorar...
Mas
não precisa e não tem que ser assim.
Cabe
aos professores e aos políticos com mentes abertas e olhos
verdadeiramente no Grande
Futuro que o Brasil
ainda pode ter, mudar essa situação!
Os
valores
constroem um poder admirável
-
assim como,
um poder admirável constrói valores respeitáveis - não
percamos esta meta!
É
importante, que se tenha uma trajetória a perfazer e reconhecimentos
numa carreira. Infelizmente, ocorreu algo , no mínimo "inusitado"
ao final de minha carreira: após passar por quatro faculdades: uma
graduação, uma complementação, uma pós graduação com
especialização, um mestrado, uma pesquisa em andamento... ainda
assim, mesmo com a tal opção pela "Lei da paridade na
aposentadoria ", só consegui fazer uma das provas para obtenção
dos tais 25% de aumento salarial incorporado.
Como
me aposentei, não posso mais: - "perdi o direito" à
paridade a partir dessa nova "artimanha" para "mexer"
na estabilidade funcional...
Ou
seja: ganhei de "presente de agradecimento" pelos anos
todos de dedicação integral à minha carreira, um sonoro "você
não valeu nada!".
Entrei
em contato com duas entidades sindicais, conversando com integrantes
de seus departamentos jurídicos e tive que ouvir deles, que, por
falta de mobilização da categoria, nada haviam podido fazer quanto
a essa questão, também "imposta de cima para baixo".
E
o pior mesmo, é que eles estão cobertos de razão!
Pois
é...
Mais
um "Dia dos Professores" chegou e eu resolvi não me
irritar tanto, porém, sem permanecer inerte.
Pelo
menos, no silêncio "pós sala de aula", meus pensamentos
ainda fazem barulho suficiente para me lembrarem que ainda vivo e
devo comemorar o poder de ainda raciocinar com propriedade, para
desejar a toda a categoria, e aos demais servidores, mesmo que não
pertençam à Rede Pública Estadual de Ensino, a qual foi o tema
desta "Carta presente" ofertada a mim mesma, e por falta de
egoísmo, a todos, mesmo que pertençam à Rede Municipal, ou à Rede
Particular, mesmo que não sejam professores, mas exerçam funções
ligadas de alguma forma à Educação e dela e por ela tirem seus
proventos, um excelente Dia dos Professores!
Nunca
se esqueçam de meu modesto conselho: não se esqueçam de que são
produtores de pensamento e de que possuem uma coisa maravilhosa num
país livre e democrático: a preciosa "Liberdade de Cátedra",
da qual não podem, não precisam, não devem abrir mão.
Na
esperança de que mudanças significativas ainda chegarão, a todos
nós, e para melhor...
professora
Olga Campoy
1- Aposentadoria
especial, pelas condições de insalubridade: uso de giz, esgotamento
de condições psicológicas, excessivo uso de voz... e
acrescente-se hoje em dia: periculosidade no convívio com uma nova
"subespécie" de seres cada vez mais, "bestializados"
e dependentes da informatização e da telefonia móvel.
2- Professora
de Artes.
São
Paulo, 15 de Outubro de 2013
Mkmouse