segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Rato e a Cultura – O Melhor interlúdio de Thaïs


Cansado de outros esboços disse um dia Jeová: (1)

- Vai, Rato.

- Abre a cortina da minha eterna oficina e pega o meu espanador.

- Espana com ele o ranço da ignorância latina e semeia um pouco de cultura por lá.

Foi aí que me peguei vendo (e ouvindo) uma das minhas óperas em plena manhã de domingo e não tive dúvidas; atendi de imediato o tão ilustre chamado.

A ópera Thaïs de Jules Émile Frédéric Massenet (Montaud 12/05/1842 - Paris 13/08/1912) é uma ópera em três atos e sete cenas feita para um libreto em francês de Louis Gallet, com base no romance homônimo de Anatole France.

Jules Émile Frédéric Massenet

Foi apresentada pela primeira vez no teatro da Ópera de Paris em 16 de março de 1894, com a soprano norte-americana Sybil Sanderson, pessoa para quem Massenet escreveu o papel-título.

Esta ópera foi ambientada no Egito durante a época romana e conta a história de Athanaël, um monge cenobita que tenta converter Thaïs, uma cortesã da cidade de Alexandria e sacerdotisa de Vênus à Cristandade, empreitada esta sem muito êxito.

A passagem mais famosa da ópera, é executada como interlúdio entre duas cenas do segundo ato e é conhecida como Meditação de Thaïs.

Esta é uma peça que faz parte do repertório clássico tradicional, sendo executada normalmente como peça de concerto.


No obstante eu a coletei da ópera que possuo que é uma produção do ano 2000 da Fondazione Teatro La Fenice Di Venezia que conta com o seguinte elenco principal:

    Eva Mei (soprano) no papel de Thaïs, uma cortesã
    Mechele Pertusi (barítono) como Athanaël, um monge cenobita
    Willian Joyner (tenor) como Nicias, um nobre
    Christophe Fel (baixo) como Palémon, líder dos Cenobites
    Chistine Buffle (soprano) como Crobyle, seu servo
    Elodie Méchain (meio soprano) como Myrtale, seu servo
    Tiziana Carraro (meio soprano) como Albine, uma abadessa
    Anna Smiech como La Charmeuse
    Enrico Masiero como A Servant.
    Coreografia é de George Iancu
    Primeira Bailarina Letizia Giuliani
  Música de Jules Massenet é executada pela Orquestra e coro da Fundazione Teatro La Fenice, Venezia; sob a regência de Marcelo Viotti.
    O coro é regido por Guillaume Tourniaire.

* * *

Thaïs é a ópera mais executada de Massenet depois de Manon Lescaut e de Werther, mas é comum não pertencer ao repertório padrão das óperas visto ser a personagem principal notória no meio teatral pela sua dificuldade de interpretação.

A ópera toda tem 2 horas 17 minutos e 33 segundos de duração

Ato I

No deserto de Tebaida, não longe do Nilo

Palémon e os demais monges do mosteiro aguardam o regresso de Athanaël que vem de Alexandria.

Este voltou falando da corrupção que reina na cidade e da escandalosa vida da cortesã Thaïs.

Athanaël comunica aos seus companheiros que quer convertê-la a uma vida cristã.

E ainda que Palémon e os companheiros o desaconselhem, Athanaël volta a Alexandria.

Athanaël é recebido em casa de Nicias, antigo companheiro de estudos.

Nicias aparece com duas escravas, Myrtale e Crobyle.

Às perguntas de Athanaël, Nicias responde que gastou uma fortuna para ter ao seu serviço a bela Thaïs por uma semana, que por sinal está a ponto de chegar.

Athanaël cobriu o seu hábito com uma túnica para a festa.

Chega Thaïs pela última vez a casa de Nicias.

Prontamente Athanaël começa a gabar os predicados da cortesã, com grande surpresa de todos.

Thaïs zomba discretamente do monge, mas este assegura que irá ao seu palácio repetir-lhe o que diz.

Ato II

 Thaïs ante o espelho, observa os primeiros sinais de velhice no seu rosto, mas pede a Vénus para conservar a beleza.


Chega Athanaël que acode a salvar Thaïs; ela o ridiculariza.

O monge tira a túnica e fica com o hábito: Thaïs sente o efeito da sua prédica e pede perdão.

Mas assim que ele lhe diz que a esperará, tem uma reação contrária e quando ele sai, dispara numa mistura de soluços e risos (“Méditation”).

Thaïs desperta Athanaël, que dormiu fora da casa de Nicias, e implora que a acolha no seu arrependimento.

Ele decide levá-la consigo, mas primeiro impõe que queime tudo o que tem.
Ela aceita, mas guarda uma estatueta de Eros.

Nicias sai de casa contentíssimo: ao jogo, ganhou tudo o que havia gasto com Thaïs e quer continuar a sua vida de diversões.

Nicias vê chegar Athanaël da casa de Thaïs e o ridiculariza, mas ele mostra-lhe a cortesã convertida em penitente.

O povo quer impedir que Thaïs se vá embora e Nicias atira umas moedas de ouro, mas aproveitando quando todos se lançam para as apanhar, Thaïs e Athanaël, escapam.

Ato III

Junto a um oásis.

Eles atravessaram o deserto.

Thaïs está fatigada e, em vão, pede um pouco de descanso.

Cai, exausta.

Athanaël compadece-se dela, traz-lhe fruta e água e diz-lhe que o convento está mesmo ali.

Aparecem a abadessa Albine e as companheiras, rezando.

Athanaël despede-se de Thaïs e de imediato compreende que já não a voltará a ver na terra; quando vai, cai no chão e chora inconsolavelmente.

Os monges dizem que vem aí uma tempestade terrível.

Reparam também, que desde que voltou, faz três semanas, Athanaël nunca mais comeu nem falou com eles.

Hoje apareceu, muito fechado em si mesmo, mas confessa a Palémon que tem muitos desejos de Thaïs.

Palémon responde que o advertiu para que não a conhecesse.

Athanaël queda-se absorto na sua prece.

* * *

O trecho que selecionei é Meditação de Thaïs, tem 6 minutos e 28 segundos.

Com isso espano para “os quintos dos infernos” a mulher fruta e tudo o que esta aberração representa dentro da arte do mau gosto, da incompetência e da falta mais que absoluta de talento, semeio em seu lugar um pouco de arte verdadeira; arte esta, fruto de um estudo com muito afinco, da abnegação, do amor pelo belo e principalmente do talento, coisa muito rara nos dias de hoje.

Este soberbo espetáculo de som de dança onde a beleza plástica de Eva Mei enriquece sobremaneira o divã de rosas com espinhos em que está repousando e permite que Letizia Giuliani faça um espetáculo impar; um belíssimo corpo a adornar a cruz a qual se rende em um ato final fazendo com que as rosas do divã de Thaïs caíssem todas de uma só vez ficando apenas os espinhos, com Thaïs a dormir e Athanaël a orar.

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Um detalhe apenas para os mais desavisados, a primeira bailarina não está nua, como não coloquei a ópera toda mas só um pequeno trecho de 63 Mb (a ópera é um avi de 1,7 Gb), pessoas menos atentas podem pensar que a mesma está nua neste trecho o que não é verdade.

Meditação de Thaïs - Jules Massenet
Orquestra e coro da Fundazione Teatro La Fenice, Venezia
Bailarina, Letizia Giuliani - Thaïs, Eva Mei - Athanaël, Mechele Pertusi
Marcelo Viotti rege a orquestra e Guillaume Tourniaire comanda o coro


(1) O Livro e a América (03/08/1867), Castro Alves – Espumas Flutuantes (Navio Negreiro – Vozes D'África) – página 13 – impresso por Edições “o Livreiro” ltda. - São Paulo – sem data conhecida.



São Paulo, SP, 30 de Julho de 2012

Mkmouse


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Belle Époque



Este Rato acordou hoje com uma indescritível saudade, uma enorme saudade de uma época que nunca vivenciou.

A Belle Époque.


Só posso traduzi-la em uma tradução livre da música La Bohème, que segue abaixo:

Eu lhes falo de um tempo em que os jovens não podem conhecer.
Montmartre naquele tempo levava suas flores lilás até sob nossa janela.
O humilde quarto mobiliado que nos serviu de ninho não era bonito mas foi lá que nos conhecemos.
Eu pintando, chorando miséria e você...
Ah você...
Você, posando nua.

Ah bohême; bohême, a gente era feliz, nós eramos muito felizes...
Ah bohême; bohême e só comíamos um dia em cada dois!

Nos cafés vizinhos, nós éramos alguém, esperávamos a glória.
E apesar da miséria, com o estômago oco nós nunca deixamos de crer em nossa vitória.
E quando nós conseguíamos pagar com uma tela, uma boa comida quente em alguma taverna, nos ficávamos a recitar versos juntos; juntos ao redor do aquecedor, esquecendo com isso o frio inverno, a pobreza.

Ah bohême; bohême, ah você era tão linda!
Ah bohême; bohême e nós tínhamos ideais fantásticos...

Frequentemente me acontecia passar, noite a fio, diante do meu cavalete, retocando o seu retrato, retocando a linha de um seio, uma curva do quadril e só pela manhã a gente se sentava finalmente, antes de um café com creme, esgotados mas deliciados; nós nos amávamos tanto e amávamos  muito mais ainda a vida.

Ah bohême; bohême, nós tínhamos apenas, vinte anos!
Ah bohême; bohêmia, nós vivíamos do ar, do tempo, do amor...

Qualquer dia desses eu farei um passeio, irei ao meu antigo endereço.
...
Eu não reconheço mais o nosso lugar, não reconheço as paredes, nem as ruas que viram e ouviram os nossos sons e o passar da nossa juventude.
...
E do alto de uma escadaria eu procuro o meu antigo atelier.
...
Mas ele não existe mais.
Em sua nova decoração Montmartre parece triste, suas flores lilás...
Não mais as vejo, estão mortas, morreram...

Ah bohême, bohême, nós eramos jovens, a eramos felizes eramos malucos...
Ah bohême, ah bohême e agora tudo isso não quer dizer nada, absolutamente nada.

Com Charles Aznavour (uma apresentação com mais de 40 anos), La Boème


La Bohème


Je vous parle d'un temps
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps-là
Accrochait ses lilas
Jusque sous nos fenêtres
Et si l'humble garni
Qui nous servait de nid
Ne payait pas de mine
C'est là qu'on s'est connu
Moi qui criait famine
Et toi qui posais nue

La bohème, la bohème
Ça voulait dire on est heureux
La bohème, la bohème
Nous ne mangions qu'un jour sur deux

Dans les cafés voisins
Nous étions quelques-uns
Qui attendions la gloire
Et bien que miséreux
Avec le ventre creux
Nous ne cessions d'y croire
Et quand quelque bistro
Contre un bon repas chaud
Nous prenait une toile
Nous récitions des vers
Groupés autour du poêle
En oubliant l'hiver

La bohème, la bohème
Ça voulait dire tu es jolie
La bohème, la bohème
Et nous avions tous du génie

Souvent il m'arrivait
Devant mon chevalet
De passer des nuits blanches
Retouchant le dessin
De la ligne d'un sein
Du galbe d'une hanche
Et ce n'est qu'au matin
Qu'on s'assayait enfin
Devant un café-crème
Epuisés mais ravis
Fallait-il que l'on s'aime
Et qu'on aime la vie

La bohème, la bohème
Ça voulait dire on a vingt ans
La bohème, la bohème
Et nous vivions de l'air du temps

Quand au hasard des jours
Je m'en vais faire un tour
A mon ancienne adresse
Je ne reconnais plus
Ni les murs, ni les rues
Qui ont vu ma jeunesse
En haut d'un escalier
Je cherche l'atelier
Dont plus rien ne subsiste
Dans son nouveau décor
Montmartre semble triste
Et les lilas sont morts

La bohème, la bohème
On était jeunes, on était fous
La bohème, la bohème
Ça ne veut plus rien dire du tout


São Paulo, SP, 11 de Julho de 2012

Mkmouse