segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ratrix, Lembranças de um clic


Eis que volta este Rato à sua morada, pretendendo contar o que havia visto em sua jornada ao amigo e O encontra a conversar com a natureza e a moldar com a maestria que lhe é própria, peculiar, única.


Aproximo-me em silêncio, espero que Ele me fale.

E eis que sem se voltar para mim, mostrou-me a sua face sorridente e fez-me compreender o seu convite para que eu lhe contasse o que vira.

...

...E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: “Meninos eu vi. 3

E uma luta de morte, travada com sorte, viu este forte um seu amigo de sorte, nada restar.

Pois rubro, do centro à crosta ficou, a negra atmosfera então queimou.

E os pássaros escuros, pintados de luz, ao rubro caíram como fizeram jus.

Do nada ao pó, do pó a lava, da lava ao pó e por fim do pó ao nada.



É assim que contei ao amigo o que vi e Ele mostrou-me o que não vi, foi aí que vi e ouvi o Clic...


... E eles (os gladiadores) reconheceram o deus onipotente, eles já o haviam visto morto entre os mortos inúmeras vezes, só não o reconheceram nestes momentos, mas viram e entenderam a eternidade que estava à sua espera.

Não havia liga entre as suas carnes e o aço de suas máquinas.

Eram meio homens ou eram meio maquinas?


Eis uma questão de ponto de vista!

Certo, é que a ferramenta dominara a vida, a ferramenta era agora a senhora da vida e naquele momento viram como seria o futuro e suas eternas vidas neste contexto.

Ou não, necessáriamente?!?!

Foi o que pensou, em uníssono, o casal.

Naquele átimo de tempo homem e mulher tudo entenderam, se entenderam e concordaram, ela clamou pela proteção de Deus e ele pisou sobre a cabeça da víbora afundando-a ao nível do piso... Clic!

E tudo fez-se luz...


...Então (deus) quando na ponta da plataforma e completamente iluminado mostrou sua face a ambos em um só gesto, viu duas criaturas completamente humanas a olha-lo com espanto (e medo?), viu-se todo-poderoso, senhor da vida e da morte, mestre do universo.

Volta seus olhos para o céu escuro e diz ao seus seguidores e iguais a flutuar no espaço exterior que ele vencera completamente o seu miserável e rebelde serviçal, a sua tresloucada criatura, agora não só a arma final era sua mas tudo, todo o universo agora é seu.

Houve júbilo e relaxamento total no céu entre seus iguais e uma festa impar começara então para todos os vitoriosos.

Voltou seus muitos olhos então para as criaturas que não suas, seus circuitos quiseram neste momento o alarme de proteção acionar para a proteção de si mesmo e todos os seus mas nem mesmo um só e único relê chegou a ser ligado.


Não tinha visto que enquanto uma criatura balbuciava algo, a outra acionara o detonador da arma final que estava bem aos seus pés até ouvir o... Clic!


Foi neste momento que ele, deus, viu que subestimara estas miseráveis e frágeis criaturas, elas o vencera ali e naquele instante, não estavam a adora-lo mas sim a olha-lo com horror e rejeição, ele era o monstro, a aberração, ele era apenas mais um deus em um universo de deuses.

E tudo fez-se luz...

...

Vi meu amigo, dos gladiadores tomar-lhes a essência ainda ao... clic!

Vi tudo fazendo-se luz...


...Vi que rubro, do centro a crosta, ficou e a escura atmosfera então queimou...

...Vi os pássaros negros, pintados de luz, ao rubro caíram como fizeram jus...

...Vejo meu amigo a conversar com a natureza e moldar com a maestria que lhe é própria, peculiar, única...

...Vejo-me aproximar-me em silêncio e esperar que Ele me fale, enquanto o Clic... não terminara ainda a sua efêmera e fugaz existência no tempo que por fim é o meu.

Vejo, que sem voltar-se para mim, mostrou-me a sua face sorridente e eu pude compreender o que via.


3 Texto extraído do livro: Gonçalves Dias, Antologia. Comp. Melhoramentos de São Paulo, Indústrias de Papel (1966), página 168, linhas 481, 482 e 483 do canto X de I-Juca-Pirama. Gonçalves Dias (nasceu em 10 de agosto de 1823 na cidade de Caxias no Maranhão e doente, falece no naufrágio do navio Ville de Boulogne em 3 de Novembro de 1864 voltando da Europa em costas brasileiras já no estado do Maranhão.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ratrix – A Hora Fantástica

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Então toda a vida se dividiu em dois lados e cada lado lutaria contra o outro até a vitória final.

Mas nem todos, como soe acontecer, estavam de um ou de outro lado da contenda, simplesmente discordavam não conseguiam conscientemente acreditar em nenhum dos dois lados, nem no onipotente deus nem em seu celerado ajudante, o responsável pela maldição que agora caia sobre todos indistintamente.


Estes por não pertencerem a nenhuma das partes em contenda e ainda serem uma diminuta minoria ignorante e indefesa desapareciam no “fogo cruzado” das escaramuças ou eram eliminados simplesmente porque existiam e por ambos os lados indistintamente.


Quando todos os ignorantes desapareceram para sempre, restou apenas duas imensas e poderosas forças para a batalha final, foi só então que ela definitivamente começou, e começou quando ao meio do dia o Sol se foi para não mais voltar.


O ruído desta luta foi tão alto e pungente que até os mortos puderam ouvir claramente.


Toda a Terra tremeu e gemeu nestes dias de escuridão com tamanha violência que todos os fantasmas, mesmo que assim o fossem a milênios, viravam em suas tumbas, mesmo quando não a tinham mais.


O calor da batalha era tão grande que toda a água evaporara-se e todo o gelo viera por fim a sublimar-se


A atmosfera tornara-se tão densa entre os contendores que os menos preparados eram esmagados por ela mesmo antes do efetivo combate.


E na noite sem fim lutaram, lutaram, lutaram...



...

Para este espetáculo de horror havia na plateia apenas um espectador a observar silencioso, ignorado pelos atores e dentro do seu próprio tempo: a Natureza.


...


Então, ao fim do grande combate apenas dois soldados ainda lutavam no alto de uma colina no pó e na escuridão para assegurar a um dos lados o domínio da arma final.


Ah...


A arma das armas, aquela capaz de eliminar toda e qualquer vida na superfície do planeta, abaixo dela e acima dela pelo espaço a fora, só os escolhidos pelo onipotente e sob sua proteção não seriam afetados por ela.


Dois gladiadores no alto de uma colina exaustos e à beira de um colapso físico total era tudo o que ainda restava da vida humana na Terra.


Impotentes até mesmo para pensar dentro de suas armaduras, agora apenas um peso morto a ser carregado pelo combatente, em desespero de causa ambos livram-se delas e ficam finalmente frente a frente.


...


Naquele solo poeirento e seco, chamas pululavam por todos os lados e suas luzes bruxuleantes clareou-lhes as faces e os gladiadores se reconheceram.


Um deles era o líder de uma facção que não concordava com esta guerra inútil e descabida e que para poder continuar vivo aliou-se a um dos lados, o outro era a líder de outra facção de descontentes com onde as ideias descabidas houveram chegado e que também para sobreviver, alistara-se em um dos lados mas, o lado oposto ao do primeiro gladiador.


Abraçaram-se longamente descansando após muitas guerras um no outro, ambos agora sem a marca de nenhum dos lados beligerantes.


...


Um vento seco e quente soprou sobre a colina levando consigo o pó e a terra árida até mesmo sob os pés das duas criaturas, o solo que agora pisavam era de aço frio e coberto de caracteres todos alinhados em forma de um círculo em cujo meio estava meio incrustada uma pequena esfera vermelha, ao lado e entre os pés de ambas as criaturas.


Olharam para cima, a fonte do vento quente, e viram deus descendo em sua brilhante armadura de guerra, sobre o vale logo abaixo e a frente de ambos.


E deus pousou sobre o vale e a sua cintura ficou-lhes ao nível dos olhos e sua cabeça mal se via perdida entre as nuvens escuras mais acima da colina, o brilho de sua armadura fez da noite dia e a sua voz era como a voz do trovão, quando a eles disse que a guerra havia terminado e que seus seguidores agora haviam conseguido para ele a arma final e que por isso lhes concederia um desejo, um desejo para ambos os dois.




...





Então ela, a mulher falou:


- Deixai-nos ver a sua verdadeira face, senhor, pois sabemos ser esta a última e maior honra que a criatura pode ter de seu criador.


Ao que deus perguntou a ele, o homem, com uma voz que encheu e tremeu a terra se era isso mesmo o que ele também queria.


- É tudo o que sempre quis meu senhor, vê-lo em toda a sua grandeza, mesmo que para isso tenha que morrer.


E deus consentiu o pedido de suas criaturas e ainda os premiaria com uma vida eterna como a sua, já que eram iguais em formas e desejos.


...


A tampa do peito da armadura basculou de cima para baixo lenta mas inexoravelmente até ficar completamente na horizontal, intensa luz emergia do interior do peito a iluminar a plataforma divina e lá do fundo do veio deus em primeira pessoa, com passos lentos e bem ao centro da plataforma na direção das criaturas, suas roupas esvoaçantes pareciam fios de tons diversos a tocarem toda a armadura por dentro.



Então quando na ponta da plataforma e completamente iluminado mostrou sua face a ambos em um só gesto.

E eles reconheceram o deus onipotente e viram a eternidade que estava à sua espera, um clic e tudo fez-se luz.


No entanto antes que a luz que houvera partido a milímetros deles a eles chegasse, a mulher sorriu e o homem não menos feliz a abraçou.


...


Viam-se em aparência e forma similares a Deus e era como estava escrito a muito, muito tempo.


Numa fração de segundo o universo se iluminou, e no piscar de um único olho apenas a luz chegou a todos os pontos da terra, mas não havia mais ninguém ver pois o que restava de vida havia desaparecido antes desta hora fantástica, só o espectador estava no teatro, agora vazio de vida, fazendo o que deveria estar fazendo e exatamente no tempo que deveria ser feito.


O espectador guardou em sua memória tudo o que vira desde o princípio e findo o espetáculo continuou a fazer o que lhe era próprio como se nada houvesse acontecido.