terça-feira, 25 de março de 2014

O Bestificado II, Contemporâneo Pós-moderno.


II
O Purgatório
A entrada do Purgatório.
Um anjo guarda a Porta de São Pedro (Canto IX - A Divina Comédia).
Ilustração de Gustave Doré (século XIX)

     Dei as costas à aparente interminável fila de mortos e vivos que em marcha cadenciada seguiam pelo caminho que haviam escolhido, a passos largos segui em sentido oposto ao fatídico portal, o destino da fila.
    “Para navegar por águas melhores, minha poesia agora deixa para trás aquele mar cruel e segue para o segundo reino, onde a alma humana se purifica, e se torna digna de elevar-se ao céu.
    Quatro estrelas iluminavam o céu do Polo Sul. Quatro estrelas nunca vistas por homem algum em vida (a não ser pelo primeiro casal), pois nunca são vistas no céu do hemisfério norte. Voltei a minha atenção ao outro polo, e vi um vulto se aproximar. Era um velho solitário. Tinha barba longa e cabelos brancos. Seu semblante era iluminado pela luz das quatro estrelas, que davam-lhe um aspecto divino, como se a luz do Sol brilhasse em seu rosto.
   - Quem sois vós? - perguntou ele, movendo suas plumas. - Quem sois vós que, vencendo a correnteza do cego riacho, conseguistes fugir da prisão eterna? Quem foi que vos guiou? Quem foi a lanterna que vos indicou o caminho pelas trevas infernais? Será que todas as leis do abismo foram destruídas? Ou foram novas decisões tomadas no céu, permitindo que vós, condenados, chegásseis até o pé da minha montanha?"
A Divina Comédia - Saída do inferno Quatro estrelas
Espírito de Catão de Útica - Canto I

Dante e Virgílio diante de Catão de Útica.
Ilustração de Gustave Doré (século XIX).

     Como não pude começar sem ser dantesco, agora não menos, dou continuidade ao tema.
     Estamos no terceiro mês de um ano com mais um sufrágio universal maior, em tais épocas o purgatório se torna algo lógico, completamente explicável, justificável e racional enfim, um paraíso; o inferno, ah este sim, por mais tenebroso e eterno que seja a sua realidade, se torna apenas uma leve, momentânea e passageira atribulação.
     São os milagres realizados pelos meios de comunicação sob o férreo cabresto do Sr. Poder, capataz inescrupuloso do Sr. Patrocinador, da Sra. Corrupção e da Dona Chantagem, todos estes nababescamente recompensados pelo Ilmo. Sr. Lucro, filho de sua excelência excelentíssima, O Divino Capital.
     É nestes anos que misteriosamente a imprensa em todas as suas formas assume a forma da justiça, um belo e escultural corpo pleno em curvas voluptuosas, de uma seriedade única, impar, até em suas formas mais humorísticas é fria, lisa como o mais imaculado mármore de Carrara.
    A imprensa nestas épocas não só herda da escultural e simbólica figura as formas mas também o seu conteúdo; são sei o por que, mas nestas épocas a imprensa não só cega fica e completamente, como também perde a capacidade de pensar, é como se ela por motivos ainda ignorados perdesse toda a massa encefálica e o seu lugar é ocupado por apenas um bloco sólido e único de rocha metamórfica calcária, com as cores mais variadas possíveis de serem imaginadas.
     A capacidade de mentir, ocultar, disfarçar, desdizer e desinformar é tão grande e sofisticada que, se a seis meses das eleições, acontecesse algo por aqui nos moldes do tsunami de 2004 e a divulgação jornalística deste ocorrido não fosse do interesse eleitoreiro ela, a imprensa livre deste país, só iria notar o ocorrido no dia seguinte ao término das eleições.

    Nem o mais aguerrido dos repórteres, da mais poderosa à mais humilde das mídias, ficaria sabendo de nada antes do término das eleições, nem mesmo se tropeçasse nos destroços e cadáveres apodrecidos todos os dias, ao ir para o seu trabalho.
    Eu fico bestificado quando descubro que no país das Alices, se nomeia para cargos de presidência e diretoria pessoas sem o menor conhecimento do que vão dirigir ou presidir, acho que o único requisito exigido além de ter sido um distribuidor de santinhos em eleições é fazer uma assinatura digital (com tinta de carimbo) por extenso e é claro saber pronunciar com clareza em alto e bom tom: “Você Sabe Com Quem Está Falando?
     ...Seu Ninguém!”.
Jogo de chaves estrela para qualquer ocasião

     Dizem que ser mãe é padecer no paraíso, mas eu vos afirmo que nos dias de hoje ter (na pior das hipóteses) alguma parte do cérebro funcionando, pensando, além de sustentar a vida biológica que o irriga de sangue, é ter que viver incondicionalmente em um purgatório; purgatório este, que desta feita não é uma ante sala do paraíso mas sim uma outra porta para o inferno.
    Vivo em um país cuja infra estrutura portuária é cara e obsoleta mas que constrói portos modernos em outros países com o erário que lhe é próprio.
   Vivo em um país sem infra estrutura para o atendimento do público em seus hospitais (disto eu sou testemunha física e ocular) no entanto constrói estádios monumentais de fazer inveja aos mais abastados países do planeta.
   Vivo em um país onde não posso sair de casa sem ser incomodado por pedintes, assaltantes, bêbados, drogados, estupradores e outros vilões mais, não só no mundo real mas no mundo virtual também; um país que gasta muitos homens bons e uteis, além de muita verba do estado, todo mês na busca de supostos maus policiais e o que consegue com isso é só inibir o trabalho dos bons o que facilita a vida dos maus em seu dia a dia.
   Vivo em um país onde os meus direitos não são protegidos mesmo que eu cumpra com todas as obrigações que me são creditadas; um país onde os direitos humanos não são para as ultrajadas vítimas, via de regra indefesas ou reféns mas sim, para os prepotentes e reincidentes réus, bem como para todos os seus comparsas.
     Vivo em um país onde o pão é sempre pouco e caro mas o circo é monumental tanto no preço como na brutalidade e no mome.

Uma mulher cristã é martirizada sob Nero numa recriação do mito de Dirce (pintado por Henryk Siemiradzki, 1897, Museu Nacional de Varsóvia).

      Vivo em um país que trata a iguais com desigualdade e a desiguais com igualdade, um país onde o governo não tem cérebro sequer para discernir que se a natureza quisesse que todos fossem iguais, iguais os teria criado, iguais até no âmago do DNA; nós não teríamos cromossomas diferentes ao sermos concebidos, nasceríamos por bipartição, fissão binária ou cissiparidade.
     Vivo em um país onde por uma simples questão de justiça não posso culpar o governo pelos absurdos que passo para viver e vejo acontecer posto que, sem sombra de dúvidas aqui, talvez mais que em qualquer outro lugar da Terra é verdadeira a afirmação do filósofo francês Joseph-Marie Maistre (1753-1821) que em uma carta datada de 1811 colocou o seu nome na história ao escrever: “cada povo tem o governo que merece”.
     Tanto ele como eu, reconhecemos e pensamos, que os desmandos de um governo nada mais é que a justa punição para aqueles que tendo o direito de votar o fazem mal, quer por ignorância, quer por simples despreparo ou pior ainda, votam, não visando o benefício, o futuro bem estar de toda uma nação mas apenas para atender aos seus próprios, momentâneos e mesquinhos interesses, todos estes voltados apenas para a satisfação do seu egoísmo, do seu imenso egocentrismo; é também uma justa punição para todos aqueles que, não compartilhando ou contribuindo para o voto vencedor, permanecem silenciosos, apáticos ante o ultraje e às máculas que tais homúnculos fazem lançar, impunemente sobre um povo, uma gente boa e justa.

     Quem macula e insulta a pátria brasileira (e não só) é o seu próprio povo, em seu silencio consenciente e não o seu governo, governo este eleito dentro dos parâmetros legais em vigor na época do evento.
    Viver, não importa onde, é estar no purgatório, é estar na antecâmara do inferno para todos os que estão mais para animais que para homens ou, para todos aqueles que se julgando homens, não são nada além de pobres de espírito, criaturas cientes e conscientes de sua própria inferioridade natural e que foi guindada ao poder exatamente por assim o ser, posto que só pessoas como ele se aviltariam a ser apenas um descartável e barato títere; mas, se você acha que as coisas não podem ficar pior sugiro que engaje-se na laia dos favorecidos, marionetes, filie-se ao poder vigente e viva às custas do trabalho alheio sempre que puder ou de qualquer jeito.
    Mas se você sabe que as coisa podem ficar pior ainda, deixe esta vida de parasita que leva enquanto é tempo, antes que o seu hospedeiro acorde e o destrua; viver, não importa onde, é estar no purgatório, purgatório este que não é a sala de espera do inferno para todos aqueles que sendo, justos, honestos e honrados não se misturam, pactuam ou associam-se a canalhas para poder melhor viver.

Fontes:


São Paulo, SP, 25 de Março de 2014
Mkmouse


terça-feira, 11 de março de 2014

Barbárie à vista.


     Ameaças e intimidações, terrorismo e “cala bocas”, em anonimato direto ou indireto, através de terceiros ou não, por força de lei ou não, são as armas de todos os que não possuem argumentos ou se quer imaginação para defender com honra e decência as suas posições em qualquer que seja o contexto, são as armas preferidas, únicas por sinal, da ignorância plena, irrestrita e confessa.
     O uso destas armas é uma confissão completa de despreparo, de falta de civilidade e de desrespeito à lei vigente neste país; é também, um claro desrespeito à liberdade em todos os sentidos além de prova incontesta de libertinagem e não, de liberdade.
   A liberdade custa caro, implica em obrigações e respeito ao direito alheio, ela só pode existir se devidamente assentada na lei e na moral, ela não sobrevive se não houver Ordem e não tem futuro se não houver Progresso.
     Os direitos do cidadão e do homem não é Verde, Amarelo, Branco ou Negro é um arco iris sem extremos esmaecidos e a justiça existe exatamente para que todas estas cores brilhem sempre que for necessário, não existe direito sem o cumprimento de obrigações, ambos formam uma parelha indivisível, inseparável, inalienável, incondicional.
    O comunismo está fundamentado nas desigualdades físicas e sociais, contraditoriamente, tem como objetivo a igualdade de todos e por todo o planeta, mas enfim, o que vem a ser a igualdade?
Eugene Delacroix's Liberty Leading the People
     Para responder a esta pergunta voltei-me para a minha biblioteca, tomei o texto de um discurso escrito em 1920, lido pelo professor Reinaldo Porchat na faculdade de Direito do Largo São Francisco cuja atualidade é sem dúvida impressionante e transcrevi a resposta almejada na sequência:
     “… A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas nos espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados.
     A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.
     Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.
     Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.
     Os portentos, de que esta força é capaz, ninguém os calcula. Suas vitórias na reconstituição da criatura mal dotada só se comparam às da oração....”
     Oração aos Moços - Ruy Barbosa de Oliveira (1849 – 1923), Jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, professor, tradutor e orador brasileiro.
     Este discurso deveria ser leitura obrigatória em todos os níveis escolares deste meu Brasil
    Um dia, se a sociedade de uma vez por todas execrar de si mesma estes Vândalos dos direitos e deveres humanos, estes Átilas da moral e da ordem, estes “Tranca Ruas” do progresso e do futuro da humanidade, nós realmente seremos cultos, livres e iguais à vista de todos os homens e de Deus.

     “O Brasil é vivo, Deus salve o Brasil!”

São Paulo, 11 de Março de 2014
Mkmouse


sábado, 8 de março de 2014

Agora? - Agora é o Livro (1870)



Réquiem para um bom livro

Ainda batendo, e na mesma tecla
Sem no entanto vestir a certa beca
De um imortal, escritor ou poeta.
Outra vez mais, este Rato vos marreta

A cabeça, o encéfalo a vista,
Não com, do deus Thor, o martelo imortal,
Mas com um livro e uma simples pista.
Mostro-vos da cultura, o rumo, portal.

Este soneto petrarquiano mostra
A escrita deste país na contramão;
O erudito a fechar-se em ostra;

O sábio, sua luz, dentro do barril;
E justiça cega, com espada na mão.
A pena já não mais é um belo buril.


Mkmouse


..."Tudo marcha!... Ó grande Deus!...







São Paulo, SP, 08 de Março de 2014

Mkmouse