Protegido pelas grossas paredes no fundo de sua toca
Sente no corpo, a roçar, a fímbria da túnica do anjo a passar.
Veio do nada, de lugar algum, e por sua toca passou
Foi como um som que de tão rápido não soou.
Protegido, para a porta se volta, se enrola,
E esta para fora a tudo olha.
Pensa em seus corajosos amigos a vagar la fora.
O vento não açoita mais verdes capinais cujas agrestes moitas
Acoitavam a perdiz, acoça agora marmóreas noites,
Espigões sem fim, pelos lados de estranhos retângulos rola,
Saindo do nada, corre por retas impecáveis,
Passa por vegetais, alinhados, estáticos a marchar!
Minha porta vê longe e eu vejo a minha porta de longe
Aconchego-me mais ao fundo de minha toca
Cujas plúmbeas e frias paredes fujo tocar.
E a porta minha que tudo via, mostrou-me em seu retângulo
O que eu não via... O céu se iluminou e sem listrões vermelhos!
Não era rubro, mas era doido veloz e incandescente
Aquilo que acordou!... Se veio do norte, do sul, do oriente ou do ocidente
Eu não sei... O que sei é que foi um relâmpago branco e quente, depois silêncio.
Um silêncio tão ruidoso que só o grito da boca do inferno fê-lo calar-se.
Ao urro hediondo seguiu-se o bafo infernal curvando das árvores as comas,
E o falcão de asas recurvas, sublima-se no ar agora vermelho!
O estampido estupendo das queimadas, se enrola de quebrada em quebrada
Galopando pelo ar... Ah!... Se tal chama lavrasse qual Jibóia informe
Que no espaço, vibrando a cauda enorme, ferrasse os dentes no chão!
Haveria uma chance em meio à suas rubras roscas que estortegam matas e espigões
A espadanar o sangue das cascatas e das trilhas betumadas da rôta e infeliz polis!...
Haveria uma chance se fosse o leão ruivo, cuja crina atira desgrenhado aos pampeiros dos céus!...
Mas, neste estranho pugilado, o cedro, a casa e o prédio, tombam queimados...
Retorcendo na hecatombe os braços suplicantes para Deus.
É mais que uma queimada, é mais que uma fornalha, é mais que o inferno!...
Não pula a irara, nem a cascavel chocalha, não há espuma na raiva do tapir!
Não há cume, não há rochedo, nem heliporto, não há nada
Onde a corsa e o tigre, náufragos do medo, possam se unir.
Nem mesmo há mais tigres, corsas, jaguares. iraras, cascavéis ou tapires!...
Não há mais como haver um drama, o último... O augusto...
Pois sumiu em um tremor maldito o último ramo do pau-d'arco adusto!
Mas rubro agora é o céu, recresce mais e mais o calor e o fogo em mares...
E a queimar por fora e por dentro, desaparece a vida milenar...
E quase tudo, senão tudo, se acaba no tempo de um simples acenar.
¹ Este texto é uma adaptação livre para o relato de uma devastação atômica baseado no poema de Castro Alves, A Queimada, poema este que sugiro a leitura.
Esta ficção relata os primeiros acontecimentos e efeitos no espaço de zero a dez segundos após a detonação de um único artefato nuclear baseado na fusão do hidrogênio a seiscentos metros do solo sobre uma cidade do tamanho da cidade de São Paulo nesta data.
O rato, protagonista do conto, estaria morto assim que visse a luz branca por sua porta se estivesse a menos de mil metros da detonação, ainda que, a centenas metros abaixo da superfície.
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